O Brasil é um dos maiores países do mundo, com enormes
potenciais, que se acham imersos em grande diversidade e muitas camadas de desigualdades.
Um desafio supremo para uma gestão uniforme, integrada e efetiva. Uniforme e
integrada para reunir todas as áreas das três esferas de governo em ações
comuns e voltadas para pessoas reais que possam avaliá-las depois por sua
efetividade.
Mas os desafios começam pelo fato de que o Brasil é uma
Federação outorgada pelo Poder Central. Por isso já nasceu macrocéfala, com a
cabeça maior que o corpo. Tanto em termos de concentração financeira, quanto em
termos da concentração política, do poder decisório.
A concentração financeira não é mais um problema importante,
porque transações financeiras online
podem ser feitas de qualquer lugar e de qualquer titularidade, por meio dos
sistemas integrados de circulação das moedas, que se tornam cada vez menos
físicas. Assim, independente do que se arrecada e onde se arrecada a qualquer
título, a distribuição dos recursos pode ser automática. Tanto faz quem está
arrecadando os recursos, o que importa é que o sistema tributário seja
equitativo e o pacto de sua distribuição atenda às demandas da sociedade. Ou
seja, não basta mais território e população como critérios: é preciso também
conhecer melhor os problemas das comunidades e interagir com elas para compor
um pacto federativo dinâmico e aderente às transformações da sociedade, e não
apenas um pacto imposto top down como
resultado do acordo do estamento político.
Mas se a concentração financeira é um problema secundário, o
mesmo não se pode dizer sobre os seus (d)efeitos sobre a gestão efetiva dos
recursos do País, estes gerados em decorrência da concentração política, tradicional desde o Império, expressa pela
concentração do poder de determinar quanto,
como, quando e onde aplicar os recursos a partir do Governo Central, que
num país continental dificilmente poderia interagir com as comunidades e muito
menos compreender as peculiaridades locais.
Mas há outras camadas dessa concentração de poder: além da alocação dos recursos ser
decidida pelo Poder Central, por meio de políticas públicas estabelecidas por
leis de caráter nacional, feitas sob forte inflexão corporativa, a alocação dos
recursos das principais áreas de atenção dos governos regionais e locais (saúde
e educação, especialmente) são decididas a
priori, por meio da vinculação constitucional e legal da aplicação de
percentuais da receita em determinados itens da despesa, mas não
necessariamente vinculados a indicadores de resultados efetivos, o que denuncia
a predominância política da agenda corporativa, sempre atraindo mais recursos
para os gastos com pessoal.
Isso diminui o interesse dos governos regionais e locais em
planejamento e gestão voltados para efetividade, porque estão empenhados em
saber como obter “dinheiro novo” para “realizar coisas novas”, deixando de lado
o que já está funcionando, mas não gera dividendos políticos; pelo contrário, saúde,
segurança e educação são geralmente fontes de reclamações, não importa quanto
se aumente o gasto nessas áreas.
Enquanto a gestão empaca, os governos querem sobreviver politicamente
aos seus mandatos e por isso se esforçam prioritariamente em liberar recursos
para cumprir promessas que geralmente estão descoladas da realidade fiscal.
Isso é feito basicamente deixando de pagar as dívidas antigas e de preferência
realizando novas dívidas, perpetuando o desequilíbrio fiscal.
As despesas crescem vegetativamente, mas o crescimento da
receita depende da economia. A dívida cresce porque ninguém quer fazer esforço
para pagá-la e o financiamento do déficit fiscal aumenta os juros, gerando
aumento explosivo da dívida e travando o investimento e o consumo. Trata-se de
um círculo vicioso.
O mais grave de toda essa crise estrutural é que as políticas
de vinculações de gastos com salários aumentam a folha, mas não convertem esse
investimento em capital social, logo, também não, em efetividade, por
deficiência na gestão das pessoas. Em lugar nenhum se desperdiça mais talento
do que no serviço público e o tímido investimento em inovação não consegue
alavancar o desenvolvimento institucional.
O aparelho de estado se torna, assim, um estorvo para
sociedade, uma dívida crescente para as futuras gerações, dívida essa que
começa a fazer parte de sua estrutura, eternizando os problemas que deveria
resolver.
Com eleições a cada dois anos, os governantes tentam, no
primeiro ano, fazer algum ajuste no gasto que lhe permita poupar o suficiente
para realizar qualquer coisa que garanta propaganda para enfrentar as eleições
do segundo ano e aumentar o poder dos seus aliados, o que provavelmente
começará a sacrificar os credores. No terceiro e quarto anos tudo será feito
para contrair novas dívidas, aumentar os tributos (mas não necessariamente a
eficiência e muito menos a equidade da tributação) e gerar recursos para
alavancar a reeleição. O resultado disso é o desprezo absoluto pelo
planejamento de longo prazo.
Sem entrar no mérito das causas do déficit da previdência e
da alocação melhor ou pior dos recursos da seguridade social (ou seja, da soma
das fontes de recursos da saúde, da assistência e da previdência), o que
importa é saber que há cada vez menos trabalhadores jovens entrando no mercado
para custear o número crescente dos aposentados, por conta do aumento da
expectativa de vida da população e por conta da mudança no perfil dos empregos
cada vez mais seletivos para os jovens. O fato é que o déficit previdenciário
impacta o caixa na medida em que as contribuições não são suficientes para
pagar os aposentados e pensionistas, muito menos suficientes para criar
reservas que possam garantir as aposentadorias futuras.
A conjugação de todos os desafios já citados reflete-se em
algo que poderia ser chamado de “ineficiência sistêmica”, o que significa, em
resumo, que mesmo quando tudo seja feito dentro do marco legal, a possibilidade
de obter resultados efetivos é mínima e a possibilidade de que sejam
desperdiçados recursos é máxima. Ou seja, o sistema de gestão colapsa antes que
qualquer ação possa tornar-se efetiva. São exemplos disso o hospital que não
tem equipamentos, os equipamentos que não têm instalação física, a infraestrutura
que não tem manutenção, ou quando, enfim, ocorre de ter todos os recursos materiais,
mas de não ter pessoal qualificado, nem mesmo pagando mais do que o mercado.
A ineficiência sistêmica, no caso em que tudo é feito de
acordo com as normas, sem desvios, mas também sem efetividade, configura o que é
moralmente inaceitável: o sistema simplesmente não funciona.
E o diagnóstico é: não basta ter gestão eficiente. Para que
seja efetiva é preciso que seja democrática. Ouso propor a equação: quanto mais
democrático o processo, mais efetivo o resultado. E essa constatação indica
claramente que a solução de todos esses problemas deverá ser resultado de
uma inversão política no processo de
planejamento e gestão, tirando uma parte considerável do poder do aparato
central do Estado e dando esse poder às comunidades e aos governos locais, para
decidir melhor como, onde, quanto e
quando aplicar o orçamento da Nação a partir da Cidade.
Entretanto, há um primeiro passo a ser dado: nada será muito
efetivo enquanto a capacidade de gestão for tão desigual. É preciso encarar e resolver
o problema da não-uniformidade do desenvolvimento institucional.
A gestão pública avançou bastante e de maneira mais uniforme
nos últimos trinta anos em termos de tecnologia, mas avançou pouco e muito
desigualmente em termos de capacidade gerencial, em que pese todo o esforço feito
nesse sentido nos últimos 50 anos.
Junto ao esforço de uniformizar o desenvolvimento
institucional dos entes federativos, será preciso enfrentar o problema da não-integração (ou desintegração) (vertical
e horizontal) da gestão dos recursos
financeiros, a começar pela alocação
desses recursos, ou seja, pelo planejamento, especialmente pelo planejamento
normativo de médio prazo, o PPA, que pode ser feito por meio de programas
desenhados para juntar recursos vinculados de várias áreas (integração
horizontal) e de mais de uma esfera de governo (integração vertical), além das
parcerias com a sociedade (integração público-privado).
Ora, do ponto de vista de qualquer um dos governos das três
esferas, o conjunto dos problemas de uma comunidade de qualquer município do
País é uma responsabilidade comum, mesmo que haja a tentativa de dividi-los por
áreas e esferas de iniciativa. Mais ainda, os recursos para o financiamento de
políticas que buscam a solução desses problemas precisa ser e sempre será
compartilhado por todos em alguma medida.
Do ponto de vista dos cidadãos de uma comunidade qualquer do
País, especialmente, não há sentido em separar o que deve ser resolvido em cada
esfera de governo, ou por cada órgão especializado de uma dessas esferas. O
Brasil todo é ali. Se não há solução, a culpa é do Estado brasileiro e de todos
os mandatários.
A integração vertical e horizontal, portanto, não é uma
ideia exótica da qual as pessoas precisem ser convencidas e esclarecidas: é um
senso comum.
Para resumir de modo que qualquer pessoa entenda quando for
às ruas protestar, trata-se de construir uma sociedade onde promessas de campanha e discursos políticos sejam levados a
sério e sejam efetivamente cobrados pela sociedade e pelos órgãos institucionais
de controle.
A saída é o processo de democratização. Não obstante, parece que a maioria dos eleitores ainda prefere soluções autocráticas. É devagar também.