sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Se eu fosse candidato a Governador de Mato Grosso do Sul

Parte I
Primeiro, as primeiras coisas. Ser governador de Mato Grosso do Sul é diferente de ser governador da maioria dos estados brasileiros. Só é ligeiramente parecido com ser governador de Mato Grosso, mas Goiás já é outro mundo, Tocantins está do outro lado da nossa lógica e mesmo com o Mato Grosso temos nossas longitudes imaginárias mais ao Leste. Mato Grosso do Sul é um estado que ficou no meio do resto de todos os caminhos, como rota de passagem para o Sul, o Sudeste e o Norte do Brasil, o Paraguai, a Bolívia e o mítico Pacífico, que fica depois de uma cordilheira escondida nas nuvens. Trata-se de um lugar esgarçado em suas preferências de pertencimento: ora queremos ser do Sudeste, ora do Sul, ora do Norte, ora sonhamos em voltar a ser Paraguai, ora escorregamos para o lúdico pantanal e ora subimos rumo ao Planalto Central, elevando nossos planos. O resultado é que somos fragmentos de muitos sonhos, nenhum deles aparatado a nos conduzir para a unidade em torno de uma visão de futuro.
Sonhar em ser governador de Mato Grosso do Sul é um direito de cada cidadão domiciliado nesta terra, e claro, um direito constitucional, desde que seja filiado a um partido. Mas é preciso saber também que quase tudo o que importa na nossa Constituição ainda pertence ao território da Utopia, a começar pela ideia de que somos uma República, na qual todos têm o mesmo direito, independentemente da extração social ou da associação a qualquer coisa, inclusive partidos.
Já pela primeira ressalva, portanto, meu sonho é fictício, não se trata de um sonho sonhável. Isso decorre de várias descondições, além das já citadas, e conseguintes:
a)     fragmentação do território, da cultura e da economia em partes muito desarticuladas em termos de projeto político;
b)    cultura política mais atrasada comparativamente ao espelho do Sul e Sudeste onde Mato Grosso do Sul gosta de mirar-se;
c)     menoridade federativa, porque Mato Grosso do Sul ainda não obteve emancipação desde que foi outorgado e imposto como unidade federada para atender ao desejo de sua elite rala e desunida, orientada por disputas familiares. Continua assim a pensar-se como dependente de mesadas federais e elege seus heróis em termos do volume de transferências federais que cada político de “bom trânsito” possa “trazer”;
d)    predominância de uma cidadania passiva e pouco mobilizada para a defesa do interesse público e coletivo, ou seja, um paraíso clientelista.
Quem poderia, portanto, candidatar-se a qualquer cargo público em Mato Grosso do Sul sem muito dinheiro para atender a uma clientela suficientemente vasta e que espera o período eleitoral como quem espera a colheita da plantação de uma rede de relações pessoais com os futuros eleitos? E que cidadão poderia sonhar, no rumo da insensatez contrária, em ser governador dessa gente propondo-lhe apenas ideias sobre como conduzir a gestão do Estado? Ora, se a eleição é um empreendimento pessoal para o eleitor (substantivada na reflexão o que eu ganho com isso?), o mandato também será a mesma coisa para o governante. Equação financeira de investimento e retorno.
Mas... e se daqui a cinquenta anos as coisas forem muito diferentes, imaginando-se que o ritmo de mudanças permaneça o mesmo e nada parecido com o fim do mundo aconteça? Ah, assim dá para sonhar! E já que se trata de um sonho, levemos então as condições de hoje para esse futuro imaginário, igualmente como se Mato Grosso do Sul fosse o Capitão América, congelado com toda sua cultura, sua economia e seu povo, acordando apenas cinquenta anos no futuro. Ou seja, em vez de evoluir aos poucos, tudo precisaria ser assimilado em três meses, o período dessa mesma hipotética campanha eleitoral de hoje. Aliás, essa campanha de hoje está acontecendo quando? Esse tempo em que vivemos aqui é antes ou depois da Primavera Árabe? E esta, por sua vez, aconteceu antes ou depois da Revolução Francesa? Bom. Deixemos de lado essa questão da inexatidão dos tempos.
Nesse futuro, um cara como eu certamente poderia ser candidato e poderia ser levado a sério, mesmo que não pertencesse a nenhum partido, porque já então qualquer cidadão teria as mesmas condições de falar aos seus concidadãos sem o aval de um partido político. Isso ocorreu no futuro porque a revolução científica e tecnológica facilitou muito a comunicação e permitiu que o direito de ser votado e o de votar sobre todas as questões estratégicas para o País pudesse ser estendido para qualquer cidadão em qualquer tempo, tornando nossa Constituição um pouco mais democrática e republicana, com a instituição embrionária de uma democracia direta, já que a democracia direta em sua plenitude implica na desnecessidade do Estado. Todos os eleitos poderiam dedicar-se apenas a funções sacerdotais.
Assim confiante de que poderia ser ouvido e eleito apenas dizendo publicamente como pretenderia governar, já que também haverá no futuro uma magnífica valorização de qualquer declaração considerada sensata emitida por qualquer ser humano ou qualquer ser senciente - i.é., capaz de sentir e demonstrar prazer, sofrimento ou felicidade -, o que acaba de ser evidenciado pela sabedoria da atuação da bancada parlamentar uníssona dos golfinhos (tudo o que eles falam enquanto indivíduos torna-se uma sinfonia, cujo resultado é uma consciência coletiva perfeitamente alinhada com o Universo – não há debates entre eles, apenas música) minha plataforma de campanha é muito simples, até para poupar o tempo majoritariamente dedicado ao silêncio e à meditação pela maioria das personas (ou seja, pessoas humanas ou não humanas possuidoras de cidadania). Sim, porque a linguagem e a gramática de hoje, separando palavras masculinas e femininas, seres humanos e não humanos não existirá mais. Mas deixemos também de lado essas coisas que poderiam parecer muito estranhas para as cabeças congeladas dos sul-mato-grossenses e vamos tratá-los como se nada tivesse acontecido, como se o mundo todo ainda estivesse no mesmo tempo que eles e os seus problemas atuais, seja lá o que isso signifique.
Voltando a esta campanha de 2014, portanto, e assim considerando a mente recém-descongelada dos sul-mato-grossenses, minha mensagem para eles, com a qual me habilito para postular o cargo de governador foi apenas esta declaração única: Juro que, se for eleito, eu vou cumprir serena e diariamente o juramento que todos os servidores sempre fazem, de cumprir a Constituição e as Leis.
Soou estranho, claro. Por isso (note aqui que já voltamos para um hipotético agora, com a nossa população numa redoma temporal de aclimatação) levou quase um mês para que as pessoas entendessem que tudo o que se diz numa campanha é para valer, que é muito mais sério do que qualquer declaração privada e que, tudo o que é proferido diante de uma assembleia presencial ou virtual de cidadãos pode ser arguido em um tribunal político ou judicial, como qualquer declaração pública que mereça fé, inclusive para a finalidade de cassar o mandato daquele que fez promessas vãs, irrealizáveis; fez declarações absurdas, insensatas; ou promoveu qualquer atividade tendente a ludibriar os eleitores, disseminando mentiras de qualquer espécie ou quilate.
Pois bem. Como o tempo gratuito reservado em todas as mídias para a minha mensagem às personas esteja sobrando e alguma perplexidade ainda subsista diante da proposta tão simples e clara de cumprir a Constituição e as Leis, algo que é, aliás, inevitável num Estado que possa ser chamado de Estado Democrático de Direito (ou seja, governado pelas leis e não pelos homens, coisa pela qual a humanidade lutou em todas as revoluções), posso dar-me ao luxo de explicar como funcionaria então esse governo no qual eu seria o Primeiro Servidor, título mais apropriado do que Governador, já que todos os cargos eletivos ou efetivos, temporários ou vitalícios, são reservados para pessoas de confiança e de ficha imaculada, que juram cumprir as leis e a Constituição e que prometem bem servir. Ou seja, são servidores, apenas. No topo dessa hierarquia e somente na medida em que tal hierarquia seja necessária e razoável, coloca-se um Primeiro Servidor que se troca a cada mandato.
E aqui já me adiantei na explicação do que significa cumprir a Constituição e as Leis. A primeira consequência disso será desistir de qualquer possibilidade de reeleição. E é claro, isso nem é mais objeto de norma constitucional ou mesmo ordinária, porque são muito poucas as pessoas que hoje (Ui! Preciso ir com calma!) aceitam servir ao público por mais do que dois anos sem acrescentar ao patrimônio nada além do que um diploma de honra ao mérito, muito menos num cargo com tal nível de responsabilidade. Afinal, ser o Primeiro Servidor implica conduzir a bom termo uma organização maior, mais diversa e complexa do que qualquer empresa privada do mundo. Nenhuma grande multinacional, com efeito, se mete com tantos negócios ao mesmo tempo e submete tudo isso ao juízo de um só gestor.
Sim, acho que já me adiantei ainda mais. É claro que basta um mandato. E não só isso. Tal mandato não tem remuneração, apenas as verbas indenizatórias para cobrir despesas com o suporte vital e o transporte da pessoa. Depois de dois anos, que assuma a minha candidata a vice. E (ô pressa!) quase ia me esquecendo, as chapas agora têm sempre uma pessoa do gênero yin e uma pessoa do gênero yang que se revezarão no cargo durante o mandato. Obviamente, tal característica é escolha das pessoas e nada tem a ver com a sua constituição física natural. Como Yin e Yang são aspectos intrinsecamente permutáveis, as pessoas podem mudar a sua declaração de gênero a qualquer tempo.
Acho oportuno, então, resumir o que temos até aqui como propostas do meu mandato de Primeiro Servidor, para não aloprar os sul-mato-grossenses meus irmãos, encimadas por uma única diretriz: cumprir serenamente as leis. (Esse serenamente se contrapõe ao rigorosamente que era tão utilizado quando ainda vigorava a cultura da violência).
Então, cumprir serenamente as leis e, por consequência disso:
a)     Rejeitar a reeleição;
b)    Dividir o mandato com uma pessoa de índole complementar à minha, entregando-o para ela depois de dois anos;
c)     Rejeitar qualquer remuneração para o cargo, devido à sua importância. Aceitar apenas indenizações de despesas pessoais comprovadas com alimentação, saúde, repouso e transporte;
d)    Contratar um gestor profissional para despachar com os outros profissionais contratados temporariamente para compor o Núcleo Estratégico Tecnopolítico do governo, enquanto me dedicarei às reuniões com o Núcleo Estratégico Político, que inclui os parlamentares e quaisquer outros cidadãos interessados, inclusive das cortes de contas e da Justiça, além do controle interno, a fim de passar em revista todos os resultados de todos os atos praticados pelos gestores no dia-a-dia da gestão e ao final referendá-los ou não, com base na avaliação de sua legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Claro! Resultados só importam se a produção deles atende aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública.
Isso deveria bastar como explicação, mas temos um problema, as memórias dos sul-mato-grossenses em relação aos seus falsos problemas da época em que ainda não tinham sido congelados, a saber:
a)     A agenda das Reformas, a começar pela Reforma Política, Fiscal e Tributária;
b)    O Pacto Federativo e a questão da tributação em Mato Grosso do Sul;
c)     A questão do modelo e da estratégia de desenvolvimento do Estado;
d)    A efetividade dos serviços públicos de saúde, segurança, educação, etc, ou seja, de todos os serviços voltados para a manutenção do bem-estar e da paz das pessoas humanas e não humanas.
Terei de explicar porque se tratam de problemas falsos. E isso resultará em mais outro texto do tamanho deste. Tarefa para outro dia, porque o lazer é sagrado entre nós.

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