terça-feira, 23 de setembro de 2014

SE EU FOSSE GOVERNADOR DE MATO GROSSO DO SUL

Parte II
Prólogo
Para começo do segundo tempo, trata-se de saber como chegamos nessa enrascada. Querendo ser útil aos meus concidadãos neste transe eleitoral de 2014 (uma data qualquer que não significa nada, mas sobre a qual me obrigo a falar, porque os sul-mato-grossenses pensam que vivem nela) e não querendo ser engolfado na loucura geral que tomou conta da campanha, e o que seria muito pior, temendo ser confundido com qualquer um dos lados (pois de fato não existe nenhum lado), resolvi inventar uma estória assim:
a)     Que a história da qual nos lembramos, que a régua do tempo na qual nos medimos, que até mesmo o legado pessoal de memórias que nos define, tudo isso é uma ilusão, coisa inexistente em um mundo qualquer que possa ser chamado de real. Logo, qualquer coisa que possa ser dita nesse contexto seria apenas um barulho a mais, uma loucura a mais, uma inutilidade completa. Daí porque recorremos a esta fábula, ficção, invencionice, como queiram, porque assim as pessoas pensam que se trata apenas de uma diversão... e, eis o mistério, acabam acreditando! Sim, elas acreditam em tudo que não seja sério, porque o sério elas reservam aos guardados do íntimo, que não se expõem às frivolidades do debate público, território dominado pela farsa. Logo, tudo o que não é sério, é só uma piada, ainda que de mau gosto, elas aceitam, curtem, se apaixonam, acreditam, e ... acabam levando a sério! O que completa um ciclo no qual tudo é estragado pela seriedade das pessoas.
b)    Para desentronizar então os meus irmãos sulíssimos de suas seriedades, levei-os congelados para o conforto de cinquenta anos no futuro, onde tudo será possível e onde poderão, então, acreditar em qualquer fantasia sem sentirem-se culpados de perder a noção da “realidade”, algo que não poderiam suportar.
c)     Entretanto, não pude simplesmente deixa-los à solta nesse novo mundo com a sua mente antiga recém-descongelada. Isso poderia confundi-los.
d)    Por isso, em vez do que poderia parecer uma “mera” ficção, estou tentando falar em termos das coisas que ocupam “atualmente” as suas mentes. Cabe aqui um parêntese para anotar que “atualmente” é uma palavra hilariante, porque supõe que o tempo seja como um velho obstinado subindo uma escada. O atual seria o degrau do hoje, o passado seria a queda, o futuro seria a ascensão, etc. Ora, o tempo é como o vento. Vem e vai para onde quer, em qualquer velocidade, girando e carregando todas as possibilidades dos infinitos acontecidos no que chamamos de passado ou de futuro. O que o faz mudar e cismar, além de moda de viola bem tocada pode ser uma coisa banal, como uma borboleta voando ou uma criança abandonada numa rua qualquer. Isso pasmaceia o tempo. Claro, porque se uma borboleta voando na Amazônia pode provocar um furacão na Flórida, imaginem o que pode fazer o abandono de uma criança.
e)     Por fim, para completar esse “futuro” imaginário, eu já estou eleito, porque então tudo o que vou dizer será possível.
Voltemos então ao ponto em que propus uma agenda de questões para o debate eleitoral, restando explicar porque as considero falsas. As questões são as seguintes:
a)     A agenda das Reformas, a começar pela Reforma Política, Fiscal e Tributária;
b)    O Pacto Federativo e a questão da tributação em Mato Grosso do Sul;
c)     A questão do modelo e da estratégia de desenvolvimento do Estado;
d)    A efetividade dos serviços públicos de saúde, segurança, educação, etc, ou seja, de todos os serviços voltados para a manutenção do bem-estar e da paz das pessoas humanas e não humanas.
SOBRE AS REFORMAS:
A Constituição Federal foi promulgada em 5 de Outubro de 1988, como coroamento de duas décadas de luta pela redemocratização do País e vocacionada para remover o “entulho autoritário” do período ditatorial. Em seus 26 anos de existência, a Constituição Cidadã sofreu 83 emendas. Dois fatores contribuem para esse furor (r)emendativo da Carta: o primeiro que a Constituição tratou de muitos assuntos que deveriam ter sido deixados para a legislação infraconstitucional e o segundo, que há um atávico despudor reformatório dos governantes brasileiros, que fazem das reformas constitucionais uma cortina de fumaça para não mudar nada, exceto moldar um ambiente favorável aos seus interesses imediatos. Os dois fatores, cruzados e crismados, confirmam uma cultura política de desprezo pela Constituição. Nesse ramo há gaiatices de sobra, dignas do repertório de Stanislaw Ponte Preta, como essas duas clássicas declarações atribuídas, respectivamente, a Antônio Carlos, governador de Minas Gerais na Revolução de 30 e a Getúlio Vargas, Presidente, Ditador e ídolo da nação: “façamos a revolução antes que o povo a faça!” e “a constituição é como as virgens. Foi feita para ser violada.”
A Constituição de 1988 abriu espaço para a organização da sociedade e assim legitimou a reivindicação de uma nova cidadania, abrindo portas para o exercício da democracia direta, mas não pôde ainda partejar essa nova cidadania, porque a gestação dela não está completa. A participação política pode ser permitida ou proibida, mas decretá-la tem pouca serventia.
Entretanto, ao mesmo tempo em que removia o “entulho autoritário”, a Constituinte colocou em seu lugar o “entulho corporativo”, justamente porque diante de uma cidadania passiva e desorganizada, os sindicatos das corporações públicas e privadas encastelaram-se no topo do sistema jurídico, num movimento estranhamente parecido com a estatização das relações de trabalho promovida por Vargas por meio de sua Polaca de 1937. A respeito disso Hélio Schwartsman escreve na FSP de 18/05/2009 que o artigo 138 da Constituição Federal de 1937 é uma tradução quase literal da Declaração III da Carta del Lavoro, de Mussolini. “Ali estão previstos a unicidade sindical sob tutela do Estado, as contribuições compulsórias e os contratos coletivos de trabalho. Tais mecanismos sobreviveram na CLT e na própria Constituição de 1988.
A Constituição Federal, portanto, funciona muito bem como salvaguarda de direitos legítimos ou ilegítimos, justos ou descabidos, tanto faz, das corporações públicas ou privadas. O importante é anotar que a Constituição não deveria prestar-se a servir de arena para esse conflito, de resto inevitável, mas assim tornado muito mais desigual, entre cidadãos que pertencem a uma corporação abrigada, protegida e financiada pela Carta, aparelhando o Estado, e o resto da população, desabrigada, desprotegida e obrigada a pagar a conta dos direitos corporativos.
Uma vez que a Constituição deixa de ser o enunciado perene de um feixe de princípios civilizadores e mediadores dos conflitos que deveriam ser resolvidos na arena da política democrática, ela se torna um alvo de disputas incessantes por mudanças constitucionais, de modo que não há uma corporação sequer que não esteja mobilizada em algum momento para aprovar a “sua” PEC, garantir o “seu” quinhão do orçamento ou até mesmo aprovar o “seu” imposto. Uma pesquisa no sítio da Câmara dos Deputados com os argumentos PEC e 2014 retorna 52 itens. Ou seja, somente via Câmara, somente no ano de 2014, começaram a tramitar 52 novas Propostas de Emenda Constitucional. A maioria, como se pode notar com um rápido olhar, trata de direitos corporativos e salvaguardas maiores para as corporações. O site Migalhas informava, em matéria publicada em 16 de Abril de 2013 que havia 1.215 PEC’s tramitando no Congresso.
Cabe perguntar, por evidente: como alguém pode esperar que a população leve a sério qualquer proposta de Reforma da Constituição? Aliás, a coisa funciona assim: se há um grande clamor pela aprovação de uma emenda constitucional, como há pela Reforma Política ou pela Reforma Tributária (embora ninguém saiba direito como isso reverterá em benefício da população, já que vão encomendar às raposas a reforma do galinheiro) então isso significa que certamente elas não serão aprovadas, claro, porque se são importantes para a população em geral, devem contrariar muitos interesses corporativos com poder suficiente para barra-las, enquanto uma cidadania ovina espera seu próximo pastor e não tem forças para exigir nada. Entretanto, a cada bimestre ou trimestre emerge em silêncio do forno do Congresso algum novo remendo na Constituição, encomendado pelo Governo ou por algum grupo de interesse abrigado nas franjas do aparelho de Estado.
Por falar em ovelhas, me lembro da fábula do menino que se divertia dando o alarme falso da chegada do lobo. Até que um dia o lobo de fato estava chegando e ninguém acreditou. É o que acontece com a nossa Constituição. Os seus princípios estruturantes, sua “cláusulas pétreas” acabam sendo esquecidos e virando fumaça, em face de tantos alarmes falsos sobre a necessidade de Reformas, enquanto todo mundo sabe que em silêncio os lobos se banqueteiam, quebrando e triturando todos os princípios sagrados.
Voltamos então ao ponto em que estávamos no primeiro tempo desta peroração: o que nos falta é disposição e ambiente (no caso, cultura política) para cumprir a Constituição. Se a ignoramos solenemente e a mutilamos quando nos interessa, quem confia que qualquer reforma aprovada trará algum resultado efetivo ou sobreviverá ao próximo Messias que estamos sempre querendo encontrar e eleger?
Mas é óbvio que se por um milagre surgisse uma cultura política exigente do cumprimento da nossa Lei Maior, então nenhuma Reforma Política ou Reforma Tributária seriam necessárias, simplesmente porque em tal ambiente o eleitorado não deixaria que um grupo se perpetuasse no poder, não toleraria um Judiciário omisso, nem o abuso do poder econômico, não reelegeria mesmo que a reeleição fosse possível, a Guerra Fiscal não existiria, os orçamentos seriam integrados e discutidos com a população e depois cumpridos fielmente e a regressividade da tributação não aconteceria (situação em que os pobres pagam proporcionalmente mais impostos que os ricos). A regressividade e a complexidade do sistema tributário, aliás, nada têm a ver com a Constituição, mas com a legislação infraconstitucional e com um monte de normas flagrantemente inconstitucionais que continuam vigendo nas barbas dos ministros do Supremo. Ou seja, este e todos os outros grandes problemas invocados para reclamar a urgência das Reformas não existiriam num ambiente político no qual o resultado efetivo de qualquer reforma constitucional pudesse ser garantido. Eis um paradoxo.
O debate pautado pela Reforma Política, pela Reforma Fiscal e pela Reforma Tributária é falso, portanto (o que é uma pena!), porque se é fato que existem os problemas, a causa deles (a raiz) não é a imprecisão do texto ou a vacuidade constitucional. E mais, propor reformas é muito diferente de aprova-las. E aprova-las é ainda mais distante de mantê-las vigorosas e efetivas. Ou seja, se não mudamos coletivamente, como podemos mudar o comportamento padrão dos políticos e governantes que nos espelham?
SOBRE O PACTO FEDERATIVO E SOBRE A TRIBUTAÇÃO EM MATO GROSSO DO SUL
Um pacto pressupõe que dois agentes em igualdade de condições resolvem celebrar um acordo para vantagem e colaboração mútuas, visando manter uma relação harmoniosa. Isso já nos assegura de que não há um verdadeiro Pacto Federativo no Brasil, porque a própria Federação foi outorgada, não foi conquistada.
E a descentralização promovida pela Constituição de 1988 não foi aceita pela União nem assimilada pelos Estados, de modo que a macrocefalia federativa voltou em poucos anos aos níveis do regime militar ou se tornou ainda maior, exceto quanto ao circo eleitoral, que se fragmentou ao ponto do caos programático-ideológico.
O que aconteceu em termos fiscais e tributários após a Constituição de 1988 pode ser comparado com a emancipação súbita de todos os adolescentes de uma grande família: inexperientes e desavisados dos riscos implicados em seus atos, o Estados federados partiram alegremente para a farra fiscal: endividamento, gasto desenfreado, criatividade contábil e furor legislativo-tributário. Frustrados porque a Constituição não permitia licenciosidade com as alíquotas máximas do ICMS e exigia unanimidade de todos os Estados para a concessão de benefícios e incentivos fiscais, os Estados danaram-se a produzir normas inconstitucionais de todos os quilates; primeiro foram leis estaduais, depois, cientes de que as Assembleias estaduais quase nada tinham a acrescentar num imposto de caráter federativo cuja legislação deveria ser produzida pelo CONFAZ e pelo Senado Federal, descambaram para os atos inconstitucionais de baixo calão: uma profusão de Decretos, Resoluções, Portarias, Pareceres, Acordos e normas impublicáveis passaram a reger o dia-a-dia das relações entre os contribuintes e o Fisco dos Estados, elevando o nível do desprezo atávico pela Constituição a proporções babélicas.
Assim, logo os Estados voltaram para a tutela da União. Uma chusma de emendas constitucionais e de leis complementares patrocinadas por sucessivos governos federais trataram de manietá-los e de engessá-los, de modo que os seus gastos e o seu endividamento pudessem ser definidos, controlados e monitorados pelo Governo Central. Definidos por sistemas nacionais de diretrizes para as principais políticas públicas (o que é um passo de cima para baixo na direção da integração orçamentária), como saúde, educação, assistência social, previdência, etc.; controlados por exigências de vinculação de aplicação mínima de percentuais do orçamento em cada uma delas e monitorados trimestralmente pela Secretaria do Tesouro Nacional em relação às metas da Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente quanto ao comprometimento da receita com o pagamento da dívida pública, com o comprometimento da Receita com a Folha e com os Investimentos, por força dos Acordos para o Ajuste Fiscal e para a Renegociação da Dívida dos Estados firmados no bojo do Plano Real.
De modo que, com a exceção de três ou quatro Estados brasileiros cujas economias são tão grandes que eles não conseguem ser tutelados, mesmo que se esforcem para isso, o restante quase que nem justifica mais a autonomia política: para que uma Assembleia que quase nada tem para legislar? Para que um Governador que mal serve como administrador de pessoal? Olhando-se para o balanço fiscal, verifica-se que pouco ou nada foi aplicado ao final de cada exercício que não fosse mera imposição do pagamento de compromissos já assumidos anteriormente (e cujo estoque de precatórios se arrasta mandato após mandato), ou imposição de aplicações mínimas nas principais políticas públicas (controladas por corporações mais ativas e fortes que os próprios governadores), ou (também imposição) de investimentos definidos e financiados no todo ou em parte pelo Governo Central e apenas executados pelos Estados e seus municípios.
É por isso que não se vê nenhum candidato ao parlamento de qualquer cidade ou estado brasileiro que não faça propaganda da sua intenção ou da sua capacidade de trazer recursos do governo central ou dos governos regionais para serem aplicados na região de suas bases eleitorais. Os candidatos ao parlamento nem se lembram de falar em legislar e fiscalizar os executivos, aos quais compete o leva e trás dos recursos orçamentários. Como poderiam? Se para trazer verbas eles precisam ser amigos do Rei e articular-se com os lobbies das empresas que disputam contratos com os governos? De que outra forma poderiam associar seus nomes a obras e investimentos?
Isso é significativo de um desastre político: a jovem democracia brasileira, necessitada do alimento do contraditório nas Casas do Povo, sofre com as coalizões de ocasião que visam apenas à distribuição do butim entre os contemplados no consórcio do poder, na proporção de suas cotas. Até mesmo a oposição tem suas cotinhas e suas queixas parecem sempre inveja dos comensais colocados em lugares mais próximos do Rei, na vasta mesa em que são servidos os recursos da Nação.
Pronto, o conteúdo da política aviltou-se até chegar a isso: acusações de parte a parte sobre quem comeu demais, quem escondeu comida nos bolsos, quem chafurdou mais.
Mas, voltando ao fio solto da balbúrdia tributária dos Estados, alguém mais avisado poderia agora perguntar: como então que apesar da lambança da Guerra Fiscal, de estratégias equivocadas de renúncia fiscal, da exacerbação da complexidade da legislação e do aumento dos conflitos entre o Fisco e os contribuintes, geradores de dívidas ativas monstruosas, o que implica também no aumento do custo público e privado da administração do imposto, como é que a arrecadação do ICMS não parou de crescer, mesmo nos períodos de crise, em todos os Estados do País?
Eis uma boa pergunta, cuja resposta tem aspectos mais evidentes e complexos e outros tão comuns que passam despercebidos. Valho-me de uma bengala metafórica: No ecossistema econômico, o fisco é um crocodilo, um poderoso predador que abocanha com incrível força e oportunismo o que passar boiando em sua frente, seja um filhote ou uma carcaça; sua única diretriz é a fome, seu limite são as margens do rio: o crocodilo espera atocaiado que uma presa vá beber. E para onde flui a corrente dos fatos tributáveis, ou seja, os recursos gerados pelos negócios que são objeto da tributação? Para as grandes empresas, especialmente para aquelas que representam monopólios ou oligopólios ou são concessionárias de processos produtivos, comerciais ou de prestações de serviços em cujas cadeias de circulação elas determinam o preço e controlam as margens de lucro dos demais agentes. Assim, embora o desenho constitucional original do ICM/ICMS fosse o de um imposto sobre valor agregado e plurifásico, ou seja, cobrado em cada etapa da circulação da mercadoria ou serviço e incidindo somente sobre o valor que cada agente da cadeia acrescentasse à sua própria operação ou prestação, o que implicava um extenso trabalho de verificação das escritas de todos os contribuintes que apuravam sua parcela do imposto a recolher, o crocodilo logo percebeu que bastava cobrar uma vez o imposto ao longo de toda a cadeia, preferencialmente na indústria, estimando as margens de valor agregado pelos demais agentes, que assim seriam substituídos pelo industrial.
Isso era inconstitucional no ano de 1985, quando o primeiro produto, o cimento, foi colocado sob esse regime de tributação. Mas deu tão certo que logo se estendeu para os medicamentos, para as bebidas e depois para uma miríade de produtos e situações, de forma que pelo menos oitenta por cento da arrecadação do ICMS já decorre direta ou indiretamente de estratégias de substituição do contribuinte ou do momento da incidência do imposto. Entretanto, - reserve-se essa informação para decorar o bolo -, o ônus do imposto continua recaindo sobre o consumidor. Independente de quem seja o contribuinte de direito, o contribuinte de fato continua sendo aquele que por último paga o preço da mercadoria ou do serviço tributado, porque o valor do imposto segue incluso nesse preço até que alguém o suporte. E porque deu muito certo, a inconstitucionalidade foi resolvida com uma emenda à Constituição. Simples, criativo e brasileiro.
Essa é a faceta mais evidente e complexa, o regime de tributação chamado de substituição tributária, mas não foi somente isso o que aconteceu: a arrecadação passou a ficar cada vez mais concentrada em poucos contribuintes substitutos de suas cadeias de circulação porque também a concentração dos negócios aumentou com o tempo. E a competividade dos grandes players econômicos nacionais e globais foi “comendo” as margens de valor agregado pelos pequenos negócios das cadeias econômicas sob seu domínio, o que tornou mais eficiente o regime de substituição tributária e induziu o crocodilo a se ocupar preferencialmente dos grandes contribuintes e a ver neles (de maneira simplista) a receita para a prosperidade econômica.
Outro fator pouco levado em conta no debate tributário e fiscal (mas que vai definir o futuro de toda a tributação e da própria gestão fiscal) é a explosão dos recursos de informática e comunicação, que trouxeram o processamento das informações fiscais relevantes e a verificação da legalidade e conformidade das operações e prestações tributadas para o tempo real. Em miúdos, a escrituração, contabilização, verificação fiscal, arrecadação e distribuição do produto do imposto para cada ente federado pode ser feita no mesmo momento em que está acontecendo o fato gerador da tributação, em qualquer lugar. O lado mais visível disso para os cidadãos é a Nota Fiscal Eletrônica. Saibam, entretanto, que ela é preenchida e impressa no balcão da loja onde você está comprando, mas foi emitida por um sistema do Fisco que integra todas as administrações fiscais e concentra todos os dados num só lugar.
Enquanto os estados brincavam de esculhambar a Constituição, portanto, o ICMS tornou-se um verdadeiro imposto nacional (e não necessariamente federativo), tanto porque embora instituído para ser cobrado nos territórios dos Estados, os maiores contribuintes dos pequenos estados estão localizados em outros Estados, o que demonstra que a sua administração no âmbito da Federação e não de cada Estado seria mais producente (e sempre foi o CONFAZ, um órgão federativo, o instrumento adequado, antes e depois de 1988, mas os Estados o desmoralizaram); quanto porque a escrituração fiscal de todos os contribuintes está caminhando para ser feita (e para todos os tributos que tenham como base de cálculo o valor das operações, das prestações, das receitas ou do faturamento das empresas!) a partir de uma única base de informações fiscais, de ofício, em tempo real. Ou seja, não haverá mais um lapso temporal entre o momento em que qualquer tributo torna-se devido e a sua apuração dos dois lados do sistema de informações: o Fisco e o contribuinte.
Estiquei demais a corda, agora terei que pausar mais uma vez.
Falta ainda demonstrar a intempestividade do resto da agenda proposta na Parte I, ou seja, Modelo e Estratégia de Desenvolvimento (que contém o resto do que precisa ser dito sobre o ICMS) e Efetividade dos Serviços Públicos.
Verei se faço isso antes de 5 de Outubro, o que não mudará nada, afinal.


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